A Lei 14.195/2021 e seus desdobramentos práticos no Código de Processo Civil
Iara Ferfoglia Gomes Dias Vilardi
Rafael Teixeira Alcântara
Artigo publicado pelo JOTA em 22 de fevereiro de 2021
A multifacetada Lei 14.195/2021 possui como berço a Medida Provisória nº 1.040/2021 cuja emergência decorreu de um relatório sobre ambiente de negócios do Ranking Doing Business 2020 do Banco Mundial, no qual o Brasil se encontrava na 124ª posição dentre 190 economias analisadas no mundo.
Porém, como é comum ocorrer, a sistematização da lei é confusa e abrangeu diversos temas como desburocratização societária, facilitação para abertura de empresas, extinção da EIRELI, regulamentação da profissão de tradutor e intérprete público, obtenção de eletricidade e reforma de institutos processuais.
Malgrado dispor majoritariamente sobre conteúdo empresarial e societário, a Lei de Ambiente de Negócios trouxe importantes atualizações no Diploma Processual Civil, cujos efeitos se deram a partir de 26/08/2021 – data de sua publicação.
De fato, foi acrescentado o inciso VII no artigo 77 do CPC, prevendo o dever legal da manutenção e atualização, pelas pessoas naturais (além das jurídicas) e seus procuradores, de suas informações cadastrarias perante os órgãos e bancos de dados do Poder Judiciário, tendo sido outorgado ao Conselho Nacional de Justiça (artigo 246, caput do CPC) a regulamentação de tais elementos.
Outra alteração relevante e impactante ao ordenamento processual civil – com o objetivo de encurtar a marcha processual – foi a previsão de que a citação se dará preferencialmente por meio eletrônico, de acordo com as informações contidas no banco de dados cadastrais do CNJ.
O ato deverá ocorrer no prazo de até 2 dias úteis, contados da decisão que o determinar, utilizando-se dos endereços eletrônicos obrigatoriamente indicados e atualizados pela parte contrária no banco de dados do Poder Judiciário. Recebido o e-mail de citação eletrônica, esta terá, então, o prazo de até 3 dias úteis para confirmar o recebimento. A ausência desta confirmação implicará, pois, na realização da citação pelos meios tradicionais já previstos: correio, por oficial de justiça, pelo escrivão ou chefe de secretaria na serventia e por edital.
Atentando-se àqueles que, porventura, omitir-se-iam da confirmação de recebimento da citação eletrônica para ganhar tempo, o legislador andou bem ao prever, no § 1º-B do artigo 246, uma forma de afastar tal conduta de má-fé. Aqueles que citados pelos métodos tradicionais não demonstrarem justa causa para a ausência de confirmação do recebimento da citação eletrônica, serão sancionados por ato atentatório à dignidade da justiça, sendo passível de multa de até 5% do valor da causa.
Para fins de contagem de prazo para apresentação de defesa após a citação por correio eletrônico, outra inovação: previu-se que seu início deve ocorrer no 5º dia útil seguinte à confirmação do recebimento da citação realizada por esse meio eletrônico.
A despeito da tentativa válida de acelerar a citação – um dos grandes gargalos processuais – ficam inúmeras questões como, por exemplo, o que seriam ‘meios eletrônicos’ para esse fim. Mediante a omissão, busca-se a conceituação dada pela Ciência da Computação que define endereço eletrônico ou correio eletrônico/Eletronic Mail/E-mail, como um método que permite compor, enviar e receber mensagens assíncronas através de sistemas eletrônicos de computação.
Portanto, em princípio, não estariam aí incluídas as mensagens instantâneas oriundas de aplicativos multiplataformas e chamada de voz para smartphones, como exemplos Telegram ou Whatsapp, muito menos redes sociais como Instagram ou Facebook, alinhando-se a recente entendimento do STJ, no âmbito do HC nº 652.068 que anulou citação pessoal realizada por oficial de justiça via aplicativo Whatsapp, por não terem sido adotadas as cautelas necessárias para atestar, com grau elevado de certeza, a identidade do citando em ação penal.
Do ponto de vista processual, como dito, a lei nitidamente privilegiou a duração razoável do processo. Porém, restaram pontos em aberto que dependerão de melhor definição a fim de evitar justamente o que se buscou afastar: a delonga processual por entraves procedimentais.
De fato, o sistema processual roga por uma regulamentação pormenorizada eletrônica dessas novas previsões legais, em especial a questão da citação, principalmente em razão de algumas recentes e descabidas soluções imediatistas utilizadas por certos tribunais, juízes e oficiais de justiça, as quais preteriram a segurança de dados em prol da desburocratização processual.
Assim, considerando que as novas regras já estão em vigor, bem como a emergência do cenário pandêmico da Covid-19, é preciso que o Poder Judiciário e o Poder Executivo não se demorem a definir e viabilizar os novos instrumentos e regras.