Fake news e responsabilidade civil

Iara Ferfoglia G. Dias Vilardi

Caroline Garcia Fattore

Artigo publicado pelo Estadão em 16 de novembro de 2021

A expressão “fake news” disseminou-se com o advento das redes sociais, uma vez que os mecanismos de interação facilitaram o compartilhamento de notícias em tempo real, muitas, veiculadas livremente sem fonte ou verificação de veracidade, tornando maior a potencialidade de prejuízos às pessoas ou grupo relacionados.

Porém, obviamente, que esse tipo de situação – a divulgação de notícias falsas ou não totalmente verídicas – sempre existiu. A diferença é que, agora, isso passou a ocorrer de forma massificada, em grande velocidade e que a fonte nem sempre pode ser identificada.

Apesar de se tratar de algo peculiar, não se faz necessária a existência de legislação específica para responsabilização daqueles que criam, reproduzem ou compartilham as inverdades, pois há institutos jurídicos tanto no âmbito civil como no criminal que dão conta dessa questão se houver violação da “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas” (CF, art. 5°, X).

Do ponto de vista criminal e, a depender do tipo de notícia, o enquadramento da questão ocorre pelos crimes contra a honra (injúria, calúnia e difamação). Já na seara cível, a questão deve ser resolvida sob o prisma da responsabilidade civil (arts. 186 e 927 do Código Civil) que prevê a responsabilização moral e material decorrente de qualquer conduta que tenha causado comprovado dano à outra pessoa.

A discussão ganha complexidade diante da necessidade de balizamento entre os direitos da personalidade e a garantia constitucional de liberdade de expressão (CF, art. 5°, IX) que prevê a livre manifestação do pensamento, criação, expressão e informação, sendo vedada qualquer tipo de censura.

A comprovação dos danos pela disseminação de inverdade que algumas dessas notícias causaram vem gerando precedentes judiciais que reconhecem a responsabilidade civil dos agentes responsáveis pela criação e propagação das notícias falsas, existindo uma tendência pela responsabilização de toda a cadeia envolvida, o que, muitas vezes, gera grande discussão sobre a natureza das redes sociais, por exemplo, e dos limites de sua responsabilidade pelo conteúdo veiculado. Nesses casos, o entendimento desses julgados é de que o direito de livre manifestação foi extrapolado, avançando na seara dos direitos da personalidade.

Todavia, nem sempre é fácil definir essas fronteiras, especialmente, quando as informações veiculadas não envolvem uma pessoa (física ou jurídica), mas instituições ou ideias, por exemplo.

Em situações como essas, o sopesamento é muito mais complexo e delicado, pois qualquer excesso – que, por si, já é um conceito vago e passível de interpretação – pode, de fato, acarretar a violação de direitos fundamentais e colocar em risco a própria Constituição Federal.

Assim, considerando a dificuldade de delinear os limites da livre expressão do indivíduo, havendo danos decorrentes da divulgação de notícias inverídicas ou abusivas, melhor que se opte pelo caminho a posteriori da responsabilização civil, seara em que o aplicador do direito terá melhor condições de analisar o caso concreto, respeitando suas peculiaridades e balizando princípios e direitos constitucionais, todos igualmente caros ao cidadão e à democracia.